E eis que chego ao meu país. Primeira etapa, o centro de saúde e a manhã inteira à espera. A médica que me atendeu não sabia como era administrada a vacina da raiva. Ao que parece a doença está praticamente erradicada no nosso país, por isso um caso destes é já algo exótico. Eu explico-lhe que são cinco inoculações espaçadas por intervalos de tempo precisos, que já tinha levado três, que precisava agora de levar a quarta e que já estava com dois dias de atraso. Talvez no Instituto de Medicina Tropical, diz-me. Mas não, lá também não era. Isso agora só no Hospital de S. Maria, diz-me a funcionária. Devo ter corrido todos os balcões do Hospital e ninguém sabia como resolver a minha situação. Da urgência para as consultas, das consultas de volta para as urgências, tira a senha do atendimento geral, depois tira outra senha qualquer e assim sucessivamente. E sempre, em todos os balcões, o mesmo ar de estranheza na cara das funcionárias perante a minha condição clínica e o respectivo vazio administrativo. Uma das "pérolas" deste processo bizarro foi o momento em que uma das funcionárias me aconselha a ir participar o sucedido à polícia. O silêncio que se seguiu da minha parte tentando perceber se a senhora estava de facto a falar a sério, rapidamente passou a uma esforçadíssima tentativa para não me destrambelhar a rir à frente dela. Foram várias as vezes que apresentei, com indisfarçável orgulho, o boletim de vacinas iraniano e também, claro, a folha de rascunho carimbada no Uzebequistão. A dada altura fazia-o já como forma de manter a sã loucura de só eu saber o que eles significavam: eu não só precisava, como agora queria a vacina. Finalmente uma outra funcionária aconselha-me a apanhar o elevador 15 e a ir ao quinto andar que lá talvez me resolvessem a situação. É o piso de isolamento para as doenças infecto-contagiosas graves. Lá explico pela enésima vez a situação e pedem-me para aguardar. Muito tempo depois aparece um médico de ar despachado que, com a maior das naturalidades, preenche uma folha e diz-me para ir ao piso zero onde fazem as vacinas. Isto passou-se no corredor em casual estilo ad-hoc, como que frisando a arbitrariedade de por acaso ter aparecido um médico porreiro que até me desenrascou - sim, estou em Portugal. Saturado e já sem o nível de ironia que permite suportar a realidade que ultrapassa a ficção, dirijo-me ao piso zero. Hoje não é dia de vacinação, tem de voltar amanhã. Não sei o que viu a funcionária na minha expressão (seria raiva?), mas lá se encontrou uma enfermeira que me administrou a quarta dose. Também ela muito porreira.
segunda-feira, 28 de junho de 2010
Dose de cavalo
E eis que chego ao meu país. Primeira etapa, o centro de saúde e a manhã inteira à espera. A médica que me atendeu não sabia como era administrada a vacina da raiva. Ao que parece a doença está praticamente erradicada no nosso país, por isso um caso destes é já algo exótico. Eu explico-lhe que são cinco inoculações espaçadas por intervalos de tempo precisos, que já tinha levado três, que precisava agora de levar a quarta e que já estava com dois dias de atraso. Talvez no Instituto de Medicina Tropical, diz-me. Mas não, lá também não era. Isso agora só no Hospital de S. Maria, diz-me a funcionária. Devo ter corrido todos os balcões do Hospital e ninguém sabia como resolver a minha situação. Da urgência para as consultas, das consultas de volta para as urgências, tira a senha do atendimento geral, depois tira outra senha qualquer e assim sucessivamente. E sempre, em todos os balcões, o mesmo ar de estranheza na cara das funcionárias perante a minha condição clínica e o respectivo vazio administrativo. Uma das "pérolas" deste processo bizarro foi o momento em que uma das funcionárias me aconselha a ir participar o sucedido à polícia. O silêncio que se seguiu da minha parte tentando perceber se a senhora estava de facto a falar a sério, rapidamente passou a uma esforçadíssima tentativa para não me destrambelhar a rir à frente dela. Foram várias as vezes que apresentei, com indisfarçável orgulho, o boletim de vacinas iraniano e também, claro, a folha de rascunho carimbada no Uzebequistão. A dada altura fazia-o já como forma de manter a sã loucura de só eu saber o que eles significavam: eu não só precisava, como agora queria a vacina. Finalmente uma outra funcionária aconselha-me a apanhar o elevador 15 e a ir ao quinto andar que lá talvez me resolvessem a situação. É o piso de isolamento para as doenças infecto-contagiosas graves. Lá explico pela enésima vez a situação e pedem-me para aguardar. Muito tempo depois aparece um médico de ar despachado que, com a maior das naturalidades, preenche uma folha e diz-me para ir ao piso zero onde fazem as vacinas. Isto passou-se no corredor em casual estilo ad-hoc, como que frisando a arbitrariedade de por acaso ter aparecido um médico porreiro que até me desenrascou - sim, estou em Portugal. Saturado e já sem o nível de ironia que permite suportar a realidade que ultrapassa a ficção, dirijo-me ao piso zero. Hoje não é dia de vacinação, tem de voltar amanhã. Não sei o que viu a funcionária na minha expressão (seria raiva?), mas lá se encontrou uma enfermeira que me administrou a quarta dose. Também ela muito porreira.
domingo, 20 de junho de 2010
quinta-feira, 17 de junho de 2010
A rotina rame-rame roeu a rolha da rota
Percorremos 5.904 Km
sábado, 24 de abril de 2010
Gente boa - Hassan Sabbah
quinta-feira, 22 de abril de 2010
sexta-feira, 16 de abril de 2010
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Put your money where your mouth is, que é como quem diz: vens ou isso é só garganta?
Para mim esta viagem ainda é tão surreal como começou. Numa noite de copos no Bairro Alto pedi ao Tiago para que nunca mais fizessem uma viagem daquelas sem que me avisassem antes. Ele e o Alex já tinham ido, no espaço de pouco mais de um ano, à China e ao Perú. Assim como quem não quer a coisa. Olha que promoção tão boa: ‘bora? ‘bora! Com a Rota da Seda foi a mesma coisa. Noutra noite de copos surge nova conversa de ’bora? ‘bora! e, após dois dias vertiginosos de trocas de e-mails e transferências bancárias, recebo o bilhete electrónico da KLM exibindo locais tão improváveis como Teerão (chegada) e Almaty (regresso). Daí a três meses estes nomes seriam alguma coisa. Naquela altura foram um brinde à puta da ideia de ir para trás do sol posto.
As duas únicas reservas de imaginário que funcionaram naquele momento de entusiasmo etílico foram o império persa e as histórias de Marco Pólo e Gengis Khan. No dia seguinte já foi mais talibãs, Irão nuclear e geo-política bélica. Enfim, a típica angústia da ressaca às voltas com o choque das civilizações. No entanto, todas estas referências são incapazes de verdadeiramente explicar o que é aquele destino hoje. E essa é a beleza e a magia desta loucura: não fazer a mínima ideia do que vamos encontrar. Devem existir poucos locais neste mundo globalizado pela Internet e encolhido pelas low-cost que não despertem automaticamente uma ideia mais ou menos formatada. Este é um deles. Esse desconhecimento por colmatar, esse vazio por preencher é o que mais me entusiasma.